Tempestade de Areia

Filme. Elite Zexer – Israel – 2016.

Lamis Ammar-Jalal Masarwa

Jovem diretora israelense, em sua estreia em longa metragem, escolhe um objeto raro nas telas: uma aldeia de beduínos no Neguev, o deserto no sul de Israel. Beduínos são tribos errantes que vivem nos desertos do norte da África, na península árabe, Jordânia e Israel. Com o progresso, suas rotas de transição foram desaparecendo, em vários desses lugares, e seu estilo de vida nômade foi se tornando sedentário. As tendas viraram casas, cavalos e camelos viraram carros e a cultura de um povo itinerante se viu ameaçada de extinção. É justamente sobre esse processo de adaptação, sobre o choque entre tradição e mudança, que Zexer mira a sua lente. No centro da trama, a protagonista Layla, queridinha do papai. O filme começa com uma cena “proibida”: o pai ensinando Layla a dirigir até chegarem perto da aldeia. Ali trocam de lugar para que ninguém os veja nessa transgressão. Layla também frequenta a universidade de Beeer Sheva, a capital do Neguev.  Uma moça beduína que estuda fora de casa, fora da aldeia, é mais uma mudança radical. Na contramão dessas mudanças, Suliman, o pai de Layla, escolhe uma moça mais nova como segunda mulher. Sua primeira esposa, contrariada, comanda as preparações do casamento. Assim, tradição e progresso se mesclam já nos primeiros instantes. Essa mescla torna-se conflito quando a mãe descobre, pelo celular da filha, que Layla se relaciona com um jovem que conheceu na universidade.  Nesse momento, o amor familiar e a tolerância são implodidos e os costumes tribais se impõem.

Layla 1
Mulheres de bigodes e vestes masculinas em cerimônia onde homem não entra.

O ponto forte da obra é a sensibilidade com que a diretora articula os elementos narrativos. O filme é repleto de silêncios, de olhares, que falam por seus protagonistas. Não há arroubos melodramáticos, as discussões são levadas em tom menor, mas nem por isso são menos violentas. Elementos triviais se tornam metáforas: o gerador estraga e a iluminação é feita por lampiões, simbolizando a volta à idade das trevas; a roupa pendurada no varal vira um labirinto colorido no encontro entre os dois namorados, cenário e símbolo do turbilhão provocado por eles; mãe e filha montam às pressas a cama nova do casal, que desmorona assim que a esposa nova de Suliman senta nela. A última sequência de troca de olhares entre Layla e sua irmã mais jovem, que parece enganosamente um final aberto, revela-se o ápice dessa sensibilidade. Sem palavras, Layla decide que sua irmã não passará pelo que ela está passando.

Tempestade de Areia é falado em árabe, no dialeto dos beduínos do Neguev, e passa a sensação de que é narrado por quem nasceu e cresceu na aldeia. A diretora israelense, porém, é fruto da cultura ocidental, e seu olhar antimachista marca presença na obra. Seu talento de colocar-se na pele de seus protagonistas, tanto no roteiro como na direção, é admirável. Os atores fazem um trabalho sutil, muito delicado, nesse drama que dá voz ao silêncio. A música é usada apenas de forma diegética, quando faz parte da cena. O contraste entre a arquitetura moderna da universidade e o espaço da aldeia perdida no deserto explicita a ruptura entre os dois mundos de Layla. Ela se sente apegada aos dois, mas percebe que são inconciliáveis. A escolha a ser feita é o grande conflito da obra.

O filme, premiado em vários festivais e indicado, por Israel para concorrer ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2017, pode ser visto na Netflix.

Assista ao trailer:

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