What Did Jack Do?

Filme de David Lynch – EUA, 2017

What Did Jack Do, ou em português, O que Jack Fez, é um filme de curta metragem de David Lynch, sua obra cinematográfica mais recente. Lynch é um artista que foge do convencional e seu curta confirma essa fama. O nome da produtora  que abre os créditos iniciais,  Absurda, já oferece um vislumbre do que nos espera. E realmente, nos dezessete minutos de filme mesclam-se elementos do teatro do Absurdo, do cinema noir de meados do século XX, e do próprio surrealismo onírico opressivo Lynchiano, com doses de humor bizarro. O filme consiste numa única cena de interrogatório, no qual David faz o papel do detetive (além do roteiro, edição, desenho de som e a música). Jack, o suspeito, é um macaco-prego-de-cara-branca que ganha (por meio de uma computação digital meia boca) uma boca humana e um sinc quase perfeito com suas falas. Em meio a respostas e perguntas  que não se conectam, recheadas de frases de efeito, clichês, e ditados populares, emerge uma lógica. Uma dessas perguntas transita do inquérito policial para o estado policialesco lembrando o quanto é tênue a fronteira entre os dois, ao evocar o macarthismo.

David Lynch contracenando com Jack

O filme é preto e branco e acontece todo em um café de estação de trem. Pode ser considerado uma brincadeira cinematográfica, ou um exercício de estilo, o que não afeta em nada o prazer de assisti-lo. Não é o caso da legenda em português, que em duas ocasiões escorrega, perdendo-se entre a literalidade e o sentido na tradução dos jogos de palavras. Para sua defesa (da legenda), não é um diálogo fácil de traduzir, e optar pelo sentido pode não se revelar, neste filme, um bom caminho.

What Did Jack Do estreou em 2017 na Fundação Cartier para a Arte Contemporânea, em Paris, acompanhando o lançamento do livro de fotos de David Lynch.  Em 20 de janeiro, 2020, dia de aniversário de 74 anos do cineasta, foi lançado na Netflix, onde pode ser visto.

Valentina

Filme de Cássio Pereira dos Santos – Brasil, 2020

Valentina é o longa de estreia de boa parte de sua equipe e elenco, a começar pelo diretor e pela  atriz protagonista.  É um filme de baixo orçamento, contemplado no edital do Ministério da Cultura para longa B.O de 2016, último ano em que houve esse edital. Foi rodado todo no interior de Minas Gerais. Não é um filme de planos espetaculares, trama complexa ou linguagem inovadora, mas é uma obra que cativa desde o primeiro fotograma.

Quais são os elementos que a tornam tão cativante? A simplicidade, o tom naturalista e discreto da interpretação que aproxima dos personagens; a delicadeza na abordagem do tema e do universo adolescente e trans; e acima de tudo, o carisma da atriz principal e por consequência da protagonista. Thiessa Woinbackk encarna Valentina com uma verdade, com  imensa autenticidade, e com um charme singular. Não é a toa que o filme abre (e por isso escrevi que cativa desde o primeiro fotograma) com um plano frontal de Valentina, caminhando em direção à câmera. Há um magnetismo fotogênico, uma empatia imediata. Seu andar, semblante e expressão conquistam o espectador, mesmo antes de saber qualquer coisa sobre a personagem.

Thiessa, assim como Valentina, é uma mulher trans e passou na pele vários dos conflitos de seu personagem. Isso certamente a ajuda na construção da autenticidade. O que surpreende é que a atriz tem 31 anos e faz papel de uma adolescente de 17. E está perfeita. Guta Stresser  interpreta a mãe de Valentina, Márcia,  confirmando seu enorme talento. Além das duas, o elenco todo mantém o  mesmo tom e um alto nível de interpretação, entre estreantes, experientes e não atores. Esse é um mérito da direção, da produção e preparação de elenco.

Uma das ótimas escolhas do diretor e roteirista foi situar o conflito da protagonista (a afirmação de sua identidade sexual) no universo da escola, espaço e ambiente de formação, onde se formam também os preconceitos. A relação entre os diferentes círculos – pais, educadores e alunos– que compõem esse ambiente é muito bem construída. O clímax do confronto final perde um pouco da autenticidade que marca todo o filme, mas isso não abala nossa fascinação por Valentina, seus amigos e sua história.

Valentina teve uma intensa participação em festivais no Brasil e no exterior, com várias premiações, principalmente nas categorias de melhor atriz e melhor filme do júri popular o que confirma seu encanto sobre diferentes plateias. O filme pode ser visto na Netflix.

Torto Arado + 7 prisioneiros

Livro de Itamar Vieira Junior + filme de Alexandro Morrato, Brasil 2019, 2021

Duas  obras que abordam o mesmo tema porém são muito distintas. Ler o romance e assistir ao filme (ou vice-versa) cria uma dimensão interessante de reflexão e olhar sobre a espécie humana e sobre o Brasil,  no contexto do tema que ambas tratam.

Torto Arado nos leva para o interior baiano. Matas, rios, campos, roças e seres míticos são os elementos que compõem um cenário que parece aferrado ao passado. Um passado de grandes fazendas e senzalas. A escravidão foi legalmente abolida, há anos, mas a servidão, uma versão hipócrita da mesma, reina absoluta. Os lavradores, em troca de seu trabalho podem erguer uma casa de barro e ter uma pequena roça num pedaço de terra que cultivarão em seu tempo livre. Trabalham de sol a sol e de domingo a domingo. Podem ir embora, se o desejarem, e podem ser mandados embora à vontade do patrão. 7 Prisioneiros começa em um cenário parecido, um ambiente rural interiorano, mas imediatamente desloca seus personagens para a urbe e de lá não sai mais. Os jovens que deixam suas casas em busca de uma vida melhor ignoram o fato que foram “comprados”. Parte desse dinheiro é dado às suas famílias como um adiantamento, uma promessa dos proventos que terão na grande cidade, a outra parte fica com o aliciador. Ao chegarem em SP os rapazes têm seus documentos sequestrados e terão que trabalhar para pagar o parco alojamento e a comida fornecida pelo patrão, mais o valor investido em sua compra. Ao se rebelarem, dão-se conta que são cativos no seu local de trabalho.

Vieira Junior foca no universo feminino: Belonísia e Bibiana, as duas irmãs que conduzem a trama (como protagonistas e narradoras), a mãe (Salu), a avó (Donana) e uma série de outras mulheres desenham uma linhagem de dor e coragem ao longo de gerações. Esse ponto de vista feminino não ignora o papel do homem e destaca  Zeca Chapéu Grande e Severo como figuras centrais na vida da comunidade de Águas Negras. Já Morrato aborda  o universo masculino. Seus protagonistas e o antagonista são todos homens, mas a figura da mãe tem papel importante nas relações e conflitos travados nesse universo.  

As duas obras traçam caminhos opostos nos processos que abordam. Apesar de todo o calvário que marca os personagens, Torto Arado descreve como se forja uma comunidade, como se cria uma consciência através do fortalecimento do coletivo calcado na solidariedade, na cultura e na fé que argamassam essa união. 7 prisioneiros, na contramão, trata de desagregação, da vitória do egoísmo, do  salve-se quem puder numa cidade de ferro e concreto onde não há lugar para a empatia, muito menos para os encantados de Torto Arado. Dane-se o outro e viva eu, parece ecoar do labirinto de ruas e esquinas e corroer a frágil união do grupo, a consciência coletiva e o ímpeto de lutar pelo que é certo.

As duas obras desenham faces distintas do mesmo mal, o trabalho escravo, mal que o Brasil não conseguiu erradicar  em quinhentos anos e segue carcomendo o tecido social na surdina, no subterrâneo. Lançar esse tema à superfície já é um grande mérito dessas obras impactantes. Torto Arado ganhou o Premio Leya, o Jabuti para Romance literário e o Oceanos. Foi publicado em Portugal pela editora Leya e no Brasil pela Todavia.  7 Prisioneiros, com Rodrigo Santoro e Christian Malheiros nos papeis principais, foi premiado no Festival de Veneza e está licenciado pela Netflix.

A Casa do Baralho, ep. de hoje – Rectumspectiva do Anus 2021

Entre episódios tensos, alguns até explosivos de A Casa do Baralho, os meses passaram voando e chegou o tempo da cerimônia mais badalada, da mais tradicional entrega de prêmios do planeta, A Rectumspectiva do Anus, 2021. Desta vez o evento não ocorreu na última semana do anus, porque o banco de dados da A Casa do Baralho sofreu um ataque de hackers que estranhamente, até agora, não pediram resgate, ou coisa parecida. Esse atraso, no entanto, foi providencial, pois nos derradeiros dias de 2021 as férias do presidente produziram um rico material para a disputa.

Sem mais delongas vamos às categorias, aos indicados e tcham, tcham, tcham… aos premiados.

Na categoria Queda Espetacular concorreram:

O Ministro Amazon is for Salles, mentor do estouro da boiada que, em 2021, escorregou na própria malandragem e caiu do Meio Ambiente para o baixo ambiente da JP.

O Chanceler Honesto Sabujo que tanto se preocupou com a China e acabou levando a maior  rasteira do Centrão.

O Ministro da Defesa (ninguém nem lembra o nome) que caiu no esquecimento junto com os três comandantes das forças armadas.

O Presidente B que foi derrubado por uma onda ao descer do jet ski.

E o vencedor: O Ministro da Saúde Pançuelo que caiu duas vezes no mesmo ano: da cadeira e da moto.

Na categoria Ator Coadjuvante, também conhecida como Puxa Saco do Presidente:

O ex-Ministro da Saúde Pançuelo

O atual Ministro da Saúde QuemRoga

O senador da CPI da Covid Circo Topeira

A deputada Carma Zenbelly.

E o vencedor:  Afé MeEndossa, o terrivelmente evangélico ex-ministro da justiça e atual Ministro no STF, que além do presidente, teve que puxar o saco de 47 senadores para conseguir a vaga.

Na categoria Abalo Sismico Hemorróidico:

A CPI da Covid

O Sete de Setembro

As Queimadas na Amazônia

As férias do presidente em pleno flagelo na Bahia

e a vencedora: A obstrução intestinal.

Nessa categoria houve um recurso das demais concorrentes, alegando que a obstrução aconteceu já em 2022 e tecnicamente estaria fora da disputa. Após muito debate, a comissão do prêmio deliberou:  “O que ocorreu em 2022 foi a internação, mas o que conta é quando se deu a obstrução, ou seja, quando o Presidente engoliu o camarão sem mastigá-lo, causa declarada da oclusão intestinal. Apesar do sigilo estabelecido sobre o histórico alimentar do mandatário, tudo indica que isso aconteceu ainda em 2021 e B atravessou o anus com o camarão já entalado, qualificando, portanto, a concorrente a disputar e a vencer.” A CPI da Covid ainda tentou derrubar a decisão no STF, mas este estava em recesso.

Na categoria Personalidade do Anus:

Moro Num País Tropical, o candidato por um dia da terceira via.

O deputado Reicardo Lamas que em vez de ficar chorando com a paralisação, mostrou que é possível faturar na pandemia.

O Ministro da Economia Pau-no-Deles que garantiu que 2021 seria o ano da virada e virou o Brasil num país com recessão e inflação ao mesmo tempo.

A mutação Omicron, que chegou sem muito alarde no final do ano e acabou com o natal e réveillon de muita gente, mostrando que enquanto o mundo todo não for vacinado, ninguém vai poder se sentir livre da pandemia.

E o vencedor: Mais uma vez o presidente B, que balança, dança, mas não cai e fatura o bi na categoria mais prestigiada da competição!!!

Você concorda com as categorias, indicações e os premiados? Tem alguma sugestão? Deixe seu comentário para que a gente possa avacalhar.

Um feliz 2022! Se quiser maratonar a série, basta ir à aba Casa do Baralho e rolar os episódios de baixo para cima.