A Sombra de Stalin

Filme de Agnieszka Holland, Polônia, Ucrânia, Reino Unido 2019

Mr. Jones é o nome original de A Sombra de Stálin, da cineasta polonesa Agnieszka Holland. Seu protagonista é o jovem Gareth Jones, um talentoso linguista gaulês que chegou a trabalhar como conselheiro para assuntos internacionais de Lloyd George, ex-primeiro ministro britânico, e depois foi jornalista. Mr. Jones é também o nome do fazendeiro na alegoria política de George Orwell, A Revolução dos Bichos, que retrata como a revolução bolchevique acabou traindo seus princípios e sua razão de ser, por um projeto ditatorial totalitário de um de seus articuladores. Agnieszka cria uma ponte ficcional entre dois personagens reais, mas o encontro de Jones com Orwell e a influência dos seus relatos sobre o romance alegórico de George têm menor importância no filme que trata de duas grandes questões: a terrível fome imposta aos camponeses da União Soviética no início da década de 1930, principalmente aos ucranianos, e o jornalismo verdadeiro.

O filme tem alguns problemas de narrativa, principalmente a falha em esclarecer  o processo que levou à Ucrânia ao desastre da fome: o programa quinquenal, a coletivização forçada dos camponeses e o valor da exportação do trigo para a industrialização da União Soviética. Há historiadores que apontam também uma intenção de dobrar o espírito nacionalista ucraniano, e que a fome não foi consequência desastrosa de uma política mal conduzida e sim o sucesso de uma política deliberada de extermínio e dominação. O filme, no entanto não entra nesta seara, embora esta seja a ponta do fio do novelo que leva à investigação de Jones, e opta por impactar através das terríveis cenas da fome e  do esforço do governo bolchevique para escondê-la, prejudicando a solidez do roteiro que tampouco aprofunda no instigante personagem de seu protagonista.

Gareth Jones, que falava russo fluentemente, descobriu o que estava acontecendo em uma viagem à União Soviética, na qual driblou a proibição de acesso de jornalistas estrangeiros à Ucrânia. Foi o primeiro a denunciar com veemência no ocidente a fome causada pelo regime de Stalin, e sofreu por isso uma enorme campanha de descrédito, orquestrada pelo governo soviético, mas levada à cabo por jornais ocidentais através de seus correspondentes em Moscou. Essa relação entre jornalistas com um  propósito político ou que barganham sua independência e o jornalismo que busca a verdade, está muito bem exposta no filme.

O filme foi gestado e rodado muito antes que se pudesse imaginar os acontecimentos atuais,  a Guerra entre Rússia e Ucrânia. A União Soviética não existe mais, Stalin saiu faz tempo de cena e agora é Putin quem dá as cartas, mas o episódio conhecido como Holomodor (a grande fome, ou a fome-morte) entre os ucranianos, aprofunda a dimensão histórica  do conflito entre as duas nações. A obra vale também pelo resgate de Gareth Jones que caiu no esquecimento, a não ser na Ucrânia, onde é lembrado como herói até os dias atuais. Mais sobre ele em https://www.garethjones.org/.

A Sombra de Stalin estreou no Festival de Berlim de 2019, foi premiado no Festival de Cinema Polonês do mesmo ano como melhor direção de arte e melhor filme. Pode ser assistido na Netflix.