Livro de Paul Auster, EUA, 2017
O que rege a nossa vida, o quanto o poder da decisão sobre ela é nosso, é da sorte, ou do acaso? O quanto da nossa personalidade é forjada pelas circunstâncias, o quanto trazemos dela em nosso DNA? Somos frutos do que nos acontece na vida, ou nossa vida é fruto de quem somos?
Todas essas questões que ocupavam Paul Auster desde seus primeiros livros, tomam a forma da musa da sua grande obra, 4,3,2,1, publicada após sete anos de silêncio editorial. O título já sugere que há algo de diferente nesse romance do escritor nova iorquino. Diferença que reside na ideia original: contar a história de um personagem, porém com inúmeras variantes de vida. Essa ideia exige também uma estrutura diferente. E uma escrita envolvente que nos faça esquecer a premissa, para nos surpreender na primeira “virada”.
Auster se propõe um processo de criação diferente, em que amplia consideravelmente as liberdades de escolha do autor em relação ao seu protagonista. E para que esse personagem não se perca, no meio de tanta variante, e deixe de ser um personagem para tornar-se quatro, ele usa muito de si, pinta um autorretrato, não para produzir uma biografia, mas para ter um modelo, uma bússola sólida neste processo criativo.
Archie Ferguson nasceu em 1947, o ano de nascimento do autor, mas o romance começa muitos anos antes, com a chegada de seu avô aos Estados Unidos e a hilária história que originou seu nome. O romance acompanha essa pré-história do protagonista e depois, pouco mais de duas décadas de sua vida: infância, estudos, as escolhas profissionais e as escolhas amorosas. E de quebra acompanha essa época rica e tumultuada dos Estados Unidos desde o fim da Segunda Guerra Mundial até a Guerra do Vietnam, a luta contra o racismo, os assassinatos de lideranças importantes, as revoltas nos bairros negros e nas universidades.
Os primeiros capítulos seguem à risca a condição de escrita envolvente que surpreende o leitor com a primeira virada, no estilo vibrante do autor de Trilogia de Nova Iorque, Invisível e Desvarios no Brooklyn. No entanto, na medida que avança torna-se, em vários momentos, repetitivo e prolixo demais, o que resulta num livro de mais de oitocentas páginas. Ao final, Auster volta ao seu melhor na amarração da(s) história(s), o que compensa pelo longo caminho percorrido.
4,3,2,1 que começa praticamente com uma anedota sobre um imigrante judeu, é uma grandiosa declaração à arte da escrita, à criação de modo geral. E ao mesmo tempo um mergulho nostálgico numa época de nossas vidas em que tudo é intenso, tudo é novo, instigante e às vezes ameaçador, como o próprio destino.
Quis o destino, ou o acaso, que no exato momento em que escrevo a resenha, recebo a notícia do falecimento de Auster, aos 77 anos, vítima de um câncer no pulmão. Deixa um legado sensacional de obras, as favoritas entre as que li estão citadas acima.
4,3,2,1 foi finalista do prestigioso Man Booker Prize de 2017 e foi publicado no Brasil pela Companhia das Letras. Se você quer saber mais sobre o autor, 4,3,2,1, embora não seja uma autobiografia, pode ser uma ótima fonte.